“Na Feira Central de Campina Grande é possível encontrar de um simples parafuso a materiais de alta tecnologia; de agendar um corte de cabelo pelo instagram a guardar uma sacola cheia de mercadorias no banco de um amigo feirante. Portanto, a nossa feira grande é um misto de tradição e modernidade”.
Essas assertivas observações são do antropólogo, pesquisador e professor universitário Vanderlan Silva (foto), em entrevista ao “Conexão UFCG”, sobre as controvérsias que ao longo dos anos giram em torno de eventuais transformações da principal Feira da cidade. Natural de Campina Grande, ele é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Sorbonne, da França, e dedicado a estudos científicos nas áreas de grupos urbanos, com ênfase em sociabilidades, cotidiano, lazer, conflitos, violência, práticas institucionais e segurança pública.
Atento às discussões a respeito do tema Feira Central e preocupado com a tese segundo a qual aquele mercado varejista estaria ultrapassado e que deveria ser extinto, o professor Vanderlan Silva realizou dois estudos que lhes deram condições de externar juízo de valor sobre os aspectos econômicos e sociais do mais famoso entreposto comercial campinense.

O primeiro estudo teve como objetivo identificar as relações entre feirantes e fregueses, como são tratados os frequentadores da feira, enquanto o segundo versou sobre o universo dos carroceiros, suas origens, como vivem e qual importância deles no cotidiano dos que, direto e indiretamente, dão vida e longevidade àquele espaço de comércio, lazer e entretenimento.
Ao final do primeiro levantamento, o professor Vanderlan Silva concluiu que, apesar do crescimento continuado das redes de supermercados e o fato das elites, por motivos diversos, terem diversificado seus locais de compras, a Feira Central de Campina Grande, ao contrário do que pensam alguns segmentos, está longe de entrar em decadência e muito menos de acabar.
Para reforçar este ponto de vista, ele disse que, atualmente, a Feira Central conta com um contingente de 10 mil feirantes, entre fixos e circulantes, acrescentando, por outro lado, que uma contagem feita recentemente por um dos laboratórios locais de pesquisas apontou que em apenas 5 horas (das 4 às 9 da manhã) 87 mil pessoas acessaram ao mercado, em um sábado, dia de maior movimento de pessoas..
De acordo com seus relatos, a maioria dos frequentadores é de Campina Grande e vai à Feira Central para comprar. O estudo mostrou, entretanto, que boa parte dos que têm idade entre 50 e 60 anos não chega, necessariamente, para consumir, mas para rever amigos nativos ou vindos de cidades vizinhas, hábito este considerado pelos pesquisadores como uma terapia que, mesmo sendo informal, é benéfica a todos.
Diante dessas evidências, o professor Vanderlan Silva, afirma com propriedade que a Feira Central nunca esteve e jamais estará condenada a desaparecer. Ele vai mais além ao dizer que a história da feira se confunde com a história política de Campina Grande. Esta comparação significa dizer que a interrupção da sua existência seria apagar parte da própria memória da cidade.
Ainda sobre o aspecto político, Silva lembrou que a Feira Central ocupa o mesmo local faz 90 anos, mas ressaltou que do Século XIX até o ano de 1934, as mudanças ocorriam na mesma proporção em que o Município trocava de governante. Muito provavelmente, segundo o professor, seria a forma encontrada pelo prefeito de plantão para mostrar que quem mandava era ele.
CARROCEIROS – Ao estudar o universo desses trabalhadores braçais, o professor Vanderlan Silva concluiu que eles fazem parte da base da pirâmide social da Feira Central de Campina Grande. Na sua visão, são homens que transportam riqueza e colhem miséria, pois, embora tenham sido “promovidos” de balaieiros para carroceiros, o peso dos fardos que carregam nas costas continua sendo o mesmo.
Sem escolaridade nem qualificação profissional, essas pessoas só têm a oferecer a sua própria força de trabalho, razão pela qual de enfrentarem discriminação e submetidos, em muitas situações, a míseras, incertas e insignificantes gratificações, Mesmo assim, relata o autor do estudo, são resilientes, tocam a vida com leveza e continuam contribuindo para a construção de uma Feira viva e forte nos aspectos econômicos, sociais, turísticos e de lazer.
MODERNIZAÇÃO – Por fim, o professor Vanderlan Silva se disse defensor de uma modernização da Feira Central, mas desde que suas características originais sejam preservadas e que os feirantes tenham o direito de ser ouvidos, pois eles conhecem, como ninguém, os problemas ali existentes.
Ele aponta como situações críticas da Feira, por exemplo, a insuficiência de banheiros, a desorganização dos bancos dos feirantes, o que ocasiona dificuldade às pessoas de circularem, falta de estacionamento no seu entorno, a ocorrência de veículos motorizados disputando espaços com feirantes e consumidores, como também a precariedade da higiene do local.
Em resumo, pelo que pôde apurar aquele professor universitário, a Feira Central, inclusive, já levada aos poucos pela esteira da tecnologia, pode ser considerada como um substrato informal da sociedade campinense, com forte influência na comunicação entre feirantes, consumidores, turistas e visitantes de modo geral.
Na verdade, os problemas são muitos e na esteira deles vêm os improvisos e imprevistos. Daí a necessidade de se “organizar o caos”, de modo a garantir a identidade e a tradição da mais importante feira de Campina Grande, reconhecida pelo Instituo do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) desde 2017..